10/28/2007


FILME ALHEIO



Tenho vontade de me dividir em duas
e não ser ninguém

Vontade de fugir
para nenhum lugar

De fechar os olhos
e não ver mais alguém

De adormecer
e não ter que acordar



Queria assistir à minha vida
como um filme alheio

O que eu queria mesmo
era não ter que ser eu

E rifar o meu destino
num qualquer sorteio

E ter a incrível sorte
de quem nunca nasceu.



MCB 96

10/23/2007


AFINAL

Afinal não era "luz"...

Era a breve chama frágil de uma vela rasa e plana...

Brilho turvo que mal se vê e nem o olhar seduz...

Calor amorfo... que nada aquece...que nada emana...




Afinal não era "oxigénio"...

Era uma baça atomosfera rarefeita e sufocante...

Um nevoeiro carregado de gotículas de arsénio...

Um abismo negro vivo e sem fundo...angustiante...




Afinal não era "vida"...

era um limbo de sofrimentos doídos e cortantes...

uma auto-eutanásia lenta, intensa e sofrida...

a última gota de sangue...homicídio em instantes...




Afinal não era "amor"...
era outro qualquer sentimento temporariamente útil...
uma ilusão bem feita... um mistério...um torpor...
que se desmorona e cai com qualquer sopro fútil...




Afinal não era nada...
era um imenso mar gelado de fogosas emoções...
era a paixão aquosa de uma pedra alucinada...
a queda livre num vácuo de sensações...
a última centelha de vida... apagada...
pântano fétido de ilusões...
e água estagnada...



MCB 07

10/06/2007




PACTO MUDO



É o brilho quente

com que o teu olhar me ilumina a alma

que me faz ser a tua chama...

e dançar dormente

na tua fogueira mansa e calma...



É a doce urgência

com que a tua boca bebe a minha tez

que me faz ser a tua seiva...

e sentir-me a tua essência

com a fórmula que mais ninguém fez...




É aquela loucura

com que um ao outro reagimos

que nos faz sentir completos

corpo, mente, desejo, ternura

e rirmos felizes só porque existimos...



É toda a intensidade

com que estamos sempre conectados

que nos faz sentir vibrar

por sabermos que na realidade

já estamos um no outro tatuados...



É este pacto mudo

tão evidente no nosso abraço,

que nos faz ter a certeza

de não haver nada, de não haver tudo

que possa não caber no nosso espaço...



MCB 07