5/29/2007


QUERIA TANTO VOLTAR A SER CRIANÇA


Gostava de voltar a ser criança
E viver intermináveis contos de fadas
E ter as certezas em bolinhas de sabão
Em vez de em águas estagnadas.

Queria tanto ser criança
E brincar com bonecas e com balões
Correr e saltar e esfolar os joelhos
E apenas isso me fazer chorar
Em vez de chorar por ter que tomar decisões…

Adorava voltar a ser criança…
E acordar ansiosa para aprender a “ser crescida”
Com sorrisos no olhar e esperanças nas mãos
Em vez de me sentir esgotada e perdida…

Queria tanto ser criança outra vez
Caber pequenina na palma da tua mão
E saber que tomas conta de mim...
E permanecer alheia à realidade

serena e doce em sonhos de cetim…
.

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MCB 07

5/23/2007


Quero escrever algo...
que seja orgulho e força e medo...
que seja radical e nada e tudo...
que seja intenso e suor e feroz!
Que seja carinho e doce e mudo...
.
Quero escrever algo
que seja fúria e fogo e raiva!
Que seja grito e sangue e dôr...
que seja lágrima e agonia e alma...
que seja ódio e morte e amor...
.
Quero escrever algo assim...
e rasgar o papel...e partir a caneta
ao escrever...
.
e ao chegar ao fim
tudo de mim exorcizar...
porque tudo em mim está a acontecer...
.
.
MCB 94

5/16/2007



CÂNTICO NEGRO

"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!

"Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe

Não, não vou por aí!
Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...

Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!

A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!


José Régio

5/03/2007


CARTA A UMA AUSÊNCIA FÍSICA

Saudade...
palavra fria e cinzenta...
sabor a chuva de fel...
sensação ôca de amargura...

Saudade...
se o teu sorriso se ausenta...
e levas teus olhos de mel
e tuas mãos de ternura...

Ansiedade...
de ter-te de novo comigo...
e tocar-te, dar-te um beijo,
saber que não és ilusão...

Ansiedade...
por quem é mais que um amigo...
por quem é mais que um desejo...
por quem é mais que paixão...

MCB 92